A quantidade de lares com crianças de até 10 anos com fome dobrou do final de 2020 até o início de 2022, saltando de 9,4% para 18,1%.
Com a crise econômica e com a alta dos preços, a fome e a insegurança alimentar chegam a milhares de crianças e adolescentes hoje no país. Com a volta do Brasil ao mapa da fome, segundo o relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, são muitos os desafios enfrentados hoje pelas famílias de baixa renda, negras, agricultoras e moradoras de periferia que vivem com crianças de até 10 anos ou jovens de até 18 anos.
Atualmente no país, de acordo com o II Inquérito de Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (II VIGISAN), são 125 milhões de brasileiros afetados pela insegurança alimentar e mais de 33 milhões em situação de fome só no ano de 2022. Além disso, a realidade de uma perspectiva de insegurança na alimentação está presente em mais de 60% dos domicílios das áreas rurais e nas áreas urbanas chega a 27,4 milhões de casas. E, 65% dos lares comandados por pessoas pretas e pardas convivem com restrição de alimentos. Nas casas em que a mulher é a pessoa de referência, a fome passou de 11,2% para 19,3%. Ainda de acordo com o levantamento, domicílios com jovens de até 18 anos, em maioria dependentes economicamente, têm mais chance de ter seus moradores com fome, chegando a taxa de 25,7% dos lares. Já a quantidade de casas com crianças de até 10 anos com fome dobrou do final de 2020 até o início de 2022, saltando de 9,4% para 18,1%.
No estado do Ceará, a insegurança alimentar em lares com crianças de até 10 anos chega a 51,6%, alcançando ao todo 26,3% dos domicílios. Já a fome abarca 2,1 milhões de pessoas.
O relatório da UNESCO, “Impactos primários e secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes”, apontou que o rendimento de 61% das famílias brasileiras com crianças e adolescentes caiu desde o início da pandemia. E com o aumento dos preços de legumes, frutas, hortaliças, carnes e leite, o consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados cresceu 36% em mais de 30% dessas famílias, por serem produtos mais baratos nos mercados do que os orgânicos e naturais.
A nutricionista e pós-graduada em Nutrição Clínica, Esportiva e Fitoterápica, Jaynne Guimarães, aponta que alimentos ultraprocessados são formulações industriais de substâncias extraídas ou derivadas de alimentos, mas que contêm pouco ou nenhum alimento inteiro em sua composição e os processos criam produtos de baixo custo, hiper palatáveis com potencial para substituir alimentos in natura ou minimamente processados. Porém, podem ser extremamente prejudiciais para crianças. “O consumo de alimentos ultraprocessados pode trazer diversos malefícios para a saúde, principalmente na infância, incluindo o desenvolvimento de obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares”, destaca.
Outro ponto é o impacto do déficit nutricional causado pelo afastamento de crianças das escolas durante e depois da pandemia e das falhas no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), uma vez que crianças de famílias que vivem com insegurança alimentar, leve, moderada ou grave, dependem também da alimentação das escolas. No Brasil, das famílias que fazem parte do PNAE, 22,3% sofrem com insegurança na alimentação. Ainda segundo o relatório, de acordo com as pessoas que moram com crianças e adolescentes que estudam em escola pública, 54% não receberam alimentação da escola durante o período de fechamento por causa da Covid-19.
São milhares de crianças que hoje sofrem com a falta de alimentação, mesmo com a volta presencial das aulas nas escolas e com o afrouxamento da pandemia. Ou seja, são vítimas da escassez de alimento no âmbito escolar, como também não têm acesso a uma alimentação regulada e nutritiva em casa. São muitas as consequências, seja no desenvolvimento físico seja na saúde mental dessas crianças e adolescentes.
A nutricionista menciona que que uma alimentação precária pode desequilibrar tanto o corpo quanto a mente de uma criança ou adolescente em desenvolvimento.“Diversos estudos foram feitos com intuito de analisar crianças e adolescentes que não consumiam, por exemplo, o café da manhã e, inevitavelmente, apresentaram menor desempenho escolar. Por outro lado, os que consumiam conseguiam ter maior atenção, melhor disposição e bom humor”, afirma.
“A fome na infância é um dos motivos que podem causar impactos e traumas na vida adulta, o consumo de alimentos saudáveis nos primeiros anos de vida é essencial para sustentar o crescimento adequado do corpo e cérebro, fazendo com que a criança atinja todo seu potencial de desenvolvimento. A subnutrição pode prejudicar severamente seus desenvolvimentos cerebrais, colocando-as em risco em vários sentidos, comprometendo sua aprendizagem, aumentando o risco de baixa imunidade que, consequentemente, pode causar mais infecções e, em muitos casos, levar à morte”, continua.
Embora o afrouxamento da pandemia e o fim da emergência sanitária, milhões de brasileiros ainda passam fome no Brasil, por isso, ações de transformação como a SerPonte Fortaleza têm buscado amenizar essa realidade. O projeto de renda solidária nasceu pela emergência da pandemia de acolher essas famílias, de mães-solo, a periferia, com crianças em casa, mas essa situação não mudou, seguimos nos movimentando para continuar garantindo essa renda, hoje para 120 mulheres chefes de família.
Ampliamos também nosso olhar para outras áreas, com o objetivo de levar renda extra para essas famílias, para que o desenvolvimento e crescimento dessas crianças não seja ameaçado pela ausência de alimentação e nutrição em uma fase tão importante.